História da Susan (Susan’s story)

Susan Thesenga

Susan in Jamaica, 2010

Eu nasci numa “perfeita” família norte-americana de classe média: pai, advogado; a mãe, uma dona de casa e, mais tarde, secretária de um banqueiro. O amor foi expresso através da ordem, da obrigação, da rigidez mental, da autorresponsabilidade e da moderação. Então, meu desejo, naturalmente, era o de vivenciar a espontaneidade, a liberdade, o calor emocional, a conexão e o compromisso.

Depois de completar meus estudos com um mestrado em 1962, fui conduzida por uma onda de mudanças que varria o país. A camisa de força apertada de algodão branco em que minha infância suburbana tinha sido envolvida foi rasgada e um novo mundo se abriu, principalmente através do meu envolvimento apaixonado no movimento dos direitos civis (incluindo passar o verão de 1964 no Mississippi).

Minha primeira abertura para a Realidade Maior veio durante a Marcha em Washington, em 1963. Naquele dia, olhando para o mar de rostos nas cores preto e branco, a percepção se mostrou: só há uma consciência aqui, manifestada sob diferentes formas exteriores. Inspirada pelo Dr. Martin Luther King, senti a coragem que vem quando somos impelidos por um amor verdadeiro.

Da ação política passei a trabalhar com terapia pessoal e, em seguida, entrei de cabeça no encontro de grupos e no movimento pelo desenvolvimento do potencial humano. Senti-me como se estivesse voltando para casa, local onde me foi dada a permissão para ver e dizer o que eu sempre soube: que as pessoas estão cheias de medos selvagens e sentimentos emaranhados – raivas, medos e montanhas de dor. Tais pessoas só precisam de atenção e de aceitação para serem liberada. O mundo interior dos sentimentos sempre me foi mais palpável do que as máscaras que vestimos. Penetrando minhas próprias máscaras e defesas, descobri que ir ao encontro da minha dor, sem culpa, negação ou racionalização, me permitiu vivenciar a entrega e derretê-las em compaixão e amor. Por muitos anos, a terapia era o meu caminho e a minha paixão. Um poço profundo de carência emocional, enfim, foi sendo preenchido.

Em uma viagem pela Califórnia, em 1969, eu senti o poderoso influxo de energia espiritual que estava se manifestando na consciência coletiva. No momento em que eu cheguei no Instituto Esalen em Big Sur, eu sabia que uma parte profunda e misteriosa de mim estava no comando da minha vida. Eu tive uma visão de estar presa à extremidade de uma corda que me puxava, inexoravelmente, para algo muito vasto e que eu não podia nomear.Em Esalen, eu conheci Donovan e acenderam-se faíscas. Reconheci um companheiro para a jornada da vida. Senti que, juntos, poderíamos desafiar nossas limitações, expandir o coração e a mente, e mergulhar fundo rumo ao desconhecido. Na nossa cerimônia Zen Budista de casamento, em 1970, nós nos comprometemos a sermos mestre espiritual um do outro e a aceitar o outro completamente. Depois de quase 40 anos juntos percorrendo o caminho espiritual, nosso compromisso um com o outro tem sido cumprido.

1975

1975

2005

2005

 

 As manifestações exteriores do nosso caminho mudaram, sobrepostas e entrelaçadas muitas vezes: Zen Budismo; Cristianismo místico de Meister Eckhart; Pathwork; práticas xamânicas, incluindo cerimônia Nativo Americano; a igreja de Santo Daime, originária da floresta tropical brasileira; e o “não-caminho” de Adyashanti, um professor norte-americano contemporâneo de despertar espiritual. No entanto, sob as formas de mudança, nós descobrimos uma unidade imutável para perceber e viver a verdade mais profunda que nós poderíamos encontrar.

Susan & Eva

Susan and Eva Pierrakos, 1975 Photo by Charles Rotmil

De volta aos anos 1970: estávamos decididos a sermos pioneiros e começamos liderando oficinas de fim de semana e, em 1972, nós compramos Sevenoaks, uma linda floresta com 130 hectares, no sopé das montanhas Blue Ridge. Sevenoaks ainda é a nossa casa.

Em 1972, eu conheci Eva Pierrakos, canal das palestras do Pathwork. Identifiquei-me imediatamente com ela e seus ensinamentos. Eu acreditava na missão do Pathwork, trazendo tudo o que somos para a nossa consciência, aceitando todas as dualidades inerentes à condição humana, conhecendo e transformando nossas sombras, bem como, descobrindo a nossa essência espiritual. Em 1976, nós doamos nosso terreno para a Fundaçao Pathwork e um centro foi construído. Sevenoaks e o Pathwork passaram por muitas encarnações desde então. Dedicamos muitos anos para tentar criar a comunidade espiritual que pensávamos que queríamos. Finalmente, fomos induzidos a ver além das muitas ideias e ilusões que tínhamos sobre nossa comunidade e sobre a espiritualidade.

Passei dez anos escrevendo um livro (“O Eu Sem Defesas: O Método Pathwork para Viver uma Espiritualidade Integral”) sobre como desenvolver ferramentas para a auto-exploração. A obra mapeia as etapas do trabalho pessoal e inclui muitas histórias verdadeiras de transformação pessoal. O livro foi traduzido para os principais idiomas europeus (e, recentemente, em chinês e japonês). “O Eu Sem Defesas” vendeu particularmente bem na América Latina. Fomos pioneiros levando o Pathwork para o Brasil, iniciando e liderando os programas de treinamento na década de 90.

Susan's bio

Susan meditating at the Rio Preto (Black River) in Mauá, Brazil, 1995

No Brasil, conhecemos a igreja do Santo Daime e seu sacramento extraordinário, a Ayahuasca: um chá psicoativo feito a partir de duas plantas da selva e que tem sido utilizado pelos xamãs da América do Sul por milênios. Através deste sacramento, eu encontrei a experiência de conexão direta com o Divino Amor que me chamava desde minha infância. O ritual no Daime me trouxe uma conexão íntima com o arquétipo da Mãe Divina, onde minha alma encontrou repouso.

Quando eu estava ancorada nesta ligação com o arquétipo da Mãe, a vida apresentou o meu maior desafio. Por dez anos, minha filha adotiva Pamela lutou pela cura da adicção em cocaína, heroína e meta-anfetamina. Para nós duas, esta foi uma jornada até as profundezas do inferno. Fui arrastada por uma dor que abalou minha mente e partiu meu coração, mas que me trouxe a um estado de entrega muito profundo.

Minha jornada com a minha filha me ensinou uma verdade essencial sobre o caminho espiritual: ele não é de forma alguma o que o ego/mente pensa que é, nem é o que o ego deseja. O ego quer certeza, previsibilidade, controle, o cumprimento de seus desejos e aprovação. Nessa minha viagem, tudo o que eu achava que sabia sobre a espiritualidade foi varrido; minhas auto-imagens como mãe e mestra espiritual foram demolidas; minha ilusão de controle foi destruída; o meu desejo de aprovação foi retalhado; minha ansiedade ameaçou inundar-me; e meu coração foi destroçado varias vezes. Nada aconteceu do jeito que eu pensei que deveria acontecer.

Susan's bio pic

Susan with her daughter Pamela and granddaughter 2010

A derrota da programação do ego abriu um novo tipo de vazio interior – um espaço de não-saber – que me permitiu despertar para algo mais profundo do que qualquer coisa que eu já tivesse vivenciado. Eu abandonei a minha história de ser humano numa caminhada espiritual para encontrar uma realidade mais profunda da Presença do Impessoal – a Consciência Compassiva – existente além de toda forma manifesta. Ter descoberto a nossa verdadeira natureza é um dom mais profundo e gratificante do que qualquer coisa que o ego/mente poderia querer ou saber.

Despertar para a realidade da vida espiritual aqui e agora, fora da mente e independente da forma corporal humana e além de toda os nossos dramas humanos (ainda que aparentemente dolorosos ou equivocados), me permite perceber que a vida humana é o Amor em ação. A única “história” acontecendo aqui é o amor se reconhecendo na forma humana, ou, como Adyashanti diz: “o divino se tornando humano e o humano se tornando divino.”

Pamela e eu terminamos nosso livro sobre a jornada que vivemos juntas: (Love Unbroken) “Amor que não se mede: De vício à salvação”.

A Vida flui em mim sem esforço e com momentos de inexplicável alegria. Eu me deleito com a dança da vida refletida na beleza natural de Sevenoaks e através dos olhos dos meus netos. Tenho uma profunda gratidão em relação ao meu casamento: lembramo-nos um ao outro, diariamente, sobre a unidade existente por detrás de todas as aparências pelas quais a dualidade possa se manifestar.

Estou aceitando níveis mais profundos de não-saber, de liberação das minhas programações pessoais e de repouso na simples Presença. Tenho confiado no meu despertar, cada vez mais penetrante. Quando minha energia é bloqueada pela crença em meus pensamentos, a ansiedade resultante me leva a questionar esses pensamentos e a me lembrar que tudo, não importa o que se apresenta, é apenas amor/vida/espírito retornando para buscar mais de si mesmo (dos aspectos que parecem terem se esquecido daquilo que eles realmente são). Eu creio que tudo retorna suavemente para a totalidade inseparável do amor pleno, para a vastidão, para o Vazio, para a Fonte.

 

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